Por: Daniela Avelar
40 anos se passaram e lá estava eu, novamente às turras com a menina bailarina. Era preciso romper. Eu sabia. Subimos no tablado. Eu, a menina e o medo - outro velho companheiro. A menina insistia: “-Olha lá, heim? Tem que ser reto. Perfeito. Sem erro. Milimétrico. Se não for assim, não serve!” Seus incansáveis bordões congelavam o sopro tímido de coragem que minh’alma tentava exalar. Sim. A alma estava lá. Sempre esteve. Envolta em cobranças e culpas. Mascarada pelas confusões. Sofrida. Judiada. Abusada. Cansada. Mas presente.
O baile era por tangos. Homenagem a Pablo Ruiz Picasso. Movimento permanente. Versatilidade. Transgressão. Busca incessante de novas formas. Era preciso romper. Eu sabia. E ainda: eu iria dançar a fase rosa de Picasso. Aquilo pedia leveza, luminosidade, alegria. Em que recôndito tudo isso estaria? E foi assim que o flamenco entrou em minha vida. Sem pudor nem restrições. Rasgando o lacre que asfixiava o lá dentro. Enquanto eu sapateava, esmagava com força o muito daquele todo que me congelava. Surpresa. Meu coração batia. E eu sentia. Era hora. Deixar prá traz o desespero. A melancolia. O azul sofrido do artista. A mesma mão que pintara a dor e o abandono poderia pintar também a leveza, a delicadeza. E celebrar a vida.
Depois da fase rosa, o realismo. Desci do tablado. O momento fora único. Pleno. Indescritível. Mas a verdade me chamava. Havia muito trabalho pela frente. O medo havia se transformado em fumaça. A menina havia ficado para traz. Era preciso construir a mulher.
"Na realidade trabalha-se com poucas cores. O que dá a ilusão do seu número é serem postas no seu justo lugar." Picasso.
SOBRE O ARTISTA
Pablo Diego José Francisco de Paula Juan Nepomuceno María de los Remedios Cipriano de la Santíssima Trinidad Ruiz y Picasso, ou simplemente Pablo Picasso nasceu em Málaga, Espanha, em 25 de outubro de 1881 e morreu em Mougins, França, em 08 de abril de 1973. Foi pintor, desenhista, ceramista, escritor e escultor. Um dos grandes mestres da arte do século XX. Sua obra é grosseiramente classificada em seis períodos:
Período azul (1901 a 1904): obras sombrias em tons de azul e verde. A cegueira é tema recorrente. Retrata dor. Melancolia. Influenciada pelo suicídio de um grande amigo.
Período rosa (1904 a 1906): retorno do artista à alegria da vida. Cores: rosa, laranja e tons de vermelho. Saltimbancos e crianças. Retrata a paixão pelo circo. Influenciado por Fernande Olivier, seu primeiro grande amor.
Período africano (1907 a 1909): o artista se inspira em figuras da África.
Período cubista: as formas naturais foram alteradas para geométricas. Foi mais intenso entre 1907 e 1911, mas extendeu-se por toda a vida de Picasso.
Realismo (1914 a 1945): o artista se afasta um pouco do cubismo e foca na realidade da Primeira Guerra. Em 1937 pinta Guernica, considerado sua obra prima. Esta obra já pertence ao expressionismo e mostra a violência e o massacre sofridos pela população da cidade de Guernica, quando do bombardeio da antiga capital basca pelos aliados alemães de Franco, em abril de 1937.
(Guernica)